Novo Código Florestal tem incidência imediata

Por Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira, Alexandre Abrahão Andrade e Débora Cristina Fernandes Ananias Alves Ferreira

Com o advento do novo Código Florestal surgem algumas questões que merecem ser debatidas. Neste breve artigo o foco será a compatibilidade de alguns dispositivos com a Constituição e sua incidência imediata, buscando trazer alguns esclarecimentos sobre a aplicação da importante norma pelos Tribunais de Justiça de São Paulo e de Minas Gerais.

Antes de adentrar diretamente ao tema, convém lembrar que a Constituição Federal de 1988 consagrou de forma ampla a defesa do meio ambiente, como verdadeiro direito fundamental de terceira geração, conforme decidiu o STF (Pleno ADInMC 3.450/DF).

Houve pelo constituinte a inclusão da defesa do meio ambiente como um dos princípios constitucionais da ordem econômica (Artigo 170, VI da Constituição), a qual é fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios, além da defesa do meio ambiente: a) soberania nacional, b) propriedade privada, c) função social da propriedade, d) livre concorrência, e) defesa do consumidor, f) redução das desigualdades regionais e sociais, g) busca do pleno emprego, h) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país; i) livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (incisos do artigo 170 da Constituição).

O Supremo Tribunal Federal efetua uma interpretação sistemática da Constituição ao decidir que o “princípio da livre iniciativa, inserido no caput do artigo 170 da CF, nada mais é do que uma cláusula geral cujo conteúdo é preenchido pelos incisos do mesmo artigo” (AC-MC 1.657/RJ), desprezando a interpretação de dispositivos de forma isolada, aplicando-se a interpretação sistemática ou de acordo com o princípio da unidade da Constituição. Portanto, aplicável à ponderação efetuada pelo STF no julgamento da já citada ADI 3.540-MC no qual houve aplicação de critérios de superação do estado de tensão entre valores constitucionais relevantes.

Em 2012, surge o novo Código Florestal (Lei 12.651 com alterações pela Lei 12.727, de 2012) que veicula novo regime jurídico, trazendo importantes novidades favoráveis ao proprietário e ao possuidor, em relação ao Código Florestal de 1965 (Lei 4.771), revogado. Dentre elas apontamos algumas apenas, considerando os limites do presente artigo:

1 Quanto à reserva legal:

1.1 Permitiu o novo diploma seja nela computada a área de preservação permanente (artigo 15), desde que: a) este benefício não implique a conversão de novas áreas para o uso alternativo do solo; b) a área a ser computada esteja conservada ou em processo de recuperação, conforme comprovação do proprietário ao órgão estadual integrante do Sisnama; e c) o proprietário ou possuidor tenha requerido inclusão do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR), nos termos do precitado Código. Observe-se que este cômputo aplica-se a todas as modalidades de cumprimento da Reserva Legal, abrangendo a regeneração, a recomposição e a compensação (artigo 15, parágrafo 3º do Código Florestal com a redação dada pela Lei 12.727, de 2012);

1.2 Autorizou sua exploração econômica (Artigo 17, parágrafo 1º do Código), mediante manejo sustentável, previamente aprovado pelo órgão competente do Sisnama, de acordo com as modalidades previstas no artigo 20.

1.3 Dispensou os proprietários e possuidores, que realizaram supressão de vegetação nativa respeitando os percentuais de Reserva Legal previstos pela legislação em vigor à época em que ocorreu a supressão, de promoverem a recomposição, compensação ou regeneração para os percentuais exigidos na nova Lei (Artigo 68 do Código Florestal), consagrando o direito adquirido. Para esses fins, permitiu aos proprietários ou possuidores de imóveis rurais provar essas situações consolidadas por documentos tais como a descrição de fatos históricos de ocupação da região, registros de comercialização, dados agropecuários da atividade, contratos e documentos bancários relativos à produção, e por todos os outros meios de prova em direito admitidos (parágrafo 1º do Artigo 68 do Código Florestal).

1.4 Dispensou a obrigação de sua averbação no Cartório de Registro de Imóveis, determinando o dever de efetuar o “registro da Reserva Legal no CAR” (Cadastro Ambiental Rural, cf. artigo 18, parágrafo 4º da Lei em comento), garantindo a gratuidade do ato ao produtor ou proprietário que, no período entre a data da publicação da Lei e o registro no CAR, proceder à averbação (Redação dada pela Lei 12.727, de 2012).

2 No que concerne à área de preservação permanente, adotou a Lei os seguintes critérios para sua delimitação:

2.1 Quanto às faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de:

a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura;

b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;

c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;

d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;

e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros;

2.2 Quanto às áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de:

a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros;

b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

2.3 Quanto às áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais, decorrentes de barramento ou represamento de cursos d’água naturais, na faixa definida na licença ambiental do empreendimento;

2.4 Quanto às áreas no entorno das nascentes e dos olhos d’água perenes, qualquer que seja sua situação topográfica, no raio mínimo de 50 (cinquenta) metros;

2.5 Quanto às encostas ou partes destas com declividade superior a 45°, equivalente a 100% (cem por cento) na linha de maior declive;

2.6 Quanto às restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

2.7 Quanto aos manguezais, em toda a sua extensão;

2.8 Quanto às bordas dos tabuleiros ou chapadas, até a linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais;

2.9 Quanto ao topo de morros, montes, montanhas e serras, com altura mínima de 100 (cem) metros e inclinação média maior que 25°, as áreas delimitadas a partir da curva de nível correspondente a 2/3 (dois terços) da altura mínima da elevação sempre em relação à base, sendo esta definida pelo plano horizontal determinado por planície ou espelho d’água adjacente ou, nos relevos ondulados, pela cota do ponto de sela mais próximo da elevação;

2.10 quanto às áreas em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação;

2.11 Quanto às veredas, a faixa marginal, em projeção horizontal, com largura mínima de 50 (cinquenta) metros, a partir do espaço permanentemente brejoso e encharcado.

Atente-se que não será exigida Área de Preservação Permanente no entorno de reservatórios artificiais de água que não decorram de barramento ou represamento de cursos d’água naturais.

Há outras alterações, as quais serão objeto de outros estudos, mas resta apurar a constitucionalidade das citadas acima e sua incidência, segundo o Judiciário.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em diversos julgados, reconheceu a constitucionalidade do novo Código Florestal, tanto que nem instaurou incidente de declaração de inconstitucionalidade (artigo 97 da Constituição), determinando sua aplicação imediata, até mesmo na fase de execução de coisa julgada com fundamento na lei anterior, dentre eles destacamos:

i) Obrigação do proprietário e ou possuidor de elaborar o projeto e instituir a área de reserva legal, com possibilidade de sobreposição ou acréscimo de área de preservação permanente (Apelação 9280102-91.2008.8.26.0000, Apelação 9159624-20.2009.8.26.0000, Apelação 9175623-13.2009.8.26.0000, Apelação 9093095-53.2008.8.26.0000, Embargos de Declaração 0004101-92.2009.8.26.0575, Apelação 0007053-25.2004.8.26.0347);

ii) Aplicação imediata dos novos critérios de medição da área de preservação permanente (Apelação 9090620-27.2008.8.26.0000);

iii) Aplicação do novo Código Florestal mesmo após o trânsito em julgado, em execução de sentença (Embargos de Declaração 0004680-76.2010.8.26.0196, Embargos de Declaração 0044168-73.2012.8.26.0000, Apelação 0014925-79.2005.8.26.0566);

iv) Aplicação do novo Código Florestal quanto à possibilidade de uso sustentável e exploração de baixo impacto ambiental em imóvel urbano quase inteiro em área de preservação permanente junto a curso d’água, já que a intervenção destinada à agricultura familiar de subsistência (Apelação 0156643-11.2008.8.26.0000);

v) Indeferimento de tutela antecipada, com fundamento no atual Código Florestal que estabelece novos parâmetros para a instituição da reserva legal, além de permitir a prova de que a supressão se deu conforme legislação vigente à época, hipótese que desobrigaria a recomposição. (Agravo de Instrumento 0044216-32.2012.8.26.0000, Agravo de Instrumento 0112446-29.2012.8.26.0000);

vi) Improcedência do pedido em ação civil pública, aplicando, para tanto, a nova Lei Florestal, quanto à área de preservação permanente e reserva legal, declarando a incidência imediata e revogando a multa (Apelação 0002074-75.2000.8.26.0374);

vii) Incidência imediata da dispensa de averbação da reserva no cartório de registro de imóveis, desde que inscrita no CAR (Embargos de Declaração 0008315-63.2011.8.26.0541, Apelação 0009245-52.2009.8.26.0153);

viii) Acolhimento dos embargos de declaração pelo Tribunal, devendo o Juiz de primeira Instância ser comunicado imediatamente deste julgamento, para que tome a decisão que lhe aprouver, tendo como principal destaque a adaptação da liminar ao Novo Código Florestal (Embargos de Declaração 0285394-11.2011.8.26.0000; Embargos de Declaração 0000011-12.2008.8.26.0111);e

ix) Aplicação do novo Código Florestal, quanto a construções permitidas em área de preservação permanente, consoante o artigo 61-A, parágrafo 12, da nova legislação, desde que se comprove que não causam risco à vida ou à integridade física das pessoas (Apelação 000499-21.2007.8.26.05060).

Da mesma forma, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais verificamos a aplicação do novo Código Florestal, reconhecendo, portanto, a sua constitucionalidade e aplicabilidade imediata:

i) “O Novo Código Florestal, instituído pela Lei 12.651/2012, previu a obrigatoriedade do registro de todos os imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural e, consequentemente, a dispensa da inscrição no Cartório de Registro de Imóveis. O pedido de condenação à averbação de área de reserva legal no Serviço de Registro de Imóveis deve ser julgado improcedente, diante da superveniência de lei que afasta esta exigência” (Apelação Cível 1.0702.09.566738-3/001 5667383-37.2009.8.13.0702 7; no mesmo sentido da aplicação da nova Lei: processo 1.0479.10.0096904/001; Apelação Cível 1.0713.11.002160-5/001;e Agravo de Instrumento 1.0702.12.014907-6/001, dentre outros).

ii) Reconheceu sua retroatividade, na área penal, quanto a desmatamento em área de preservação permanente, tipo definido no artigo 38 da Lei 9.605/1998, aplicando-se a novatio legis in mellius (Apelação Criminal 1.0628.08.012322-5/001 0123225-04.2008.8.13.0628).

As decisões citadas consagraram a tese da constitucionalidade e incidência imediata do novo Código Florestal, impondo-se a sua efetiva aplicação pelo Judiciário, mesmo diante da coisa julgada e, a nosso ver, pelas mesmas razões, aplicável diante do ato jurídico perfeito (termo de ajustamento de conduta feito perante o Ministério Público).

Olavo Augusto Vianna Alves Ferreira é procurador do estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos da União dos Cursos Superiores COC, do Curso LFG, e de cursos de pós-graduação (PUC-COGEAE, UFBA, Escola Superior do Ministério Público, JUSPODIVM e FAAP), doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, coordenador do grupo de pesquisa do Curso de Direito das Faculdades COC: “Observatório do Supremo Tribunal Federal”.

Alexandre Abrahão Andrade é advogado sócio do escritório Marcussi Advogados Associados e especialista em Direito Processual Civil pela FAAP

Débora Cristina Fernandes Ananias Alves Ferreira é juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e especialista em Direito Civil e Processual Civil

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de abril de 2013

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