Os direitos dos portadores de câncer

Receber o diagnóstico de câncer acarreta um enorme choque de realidade e representa, além de muito sofrimento, necessidade de dinheiro para o tratamento. Sofrimento físico e psicológico, incertezas, ameaças, tratamentos agressivos e, por vezes, mutilantes. O custo desta doença sem dúvida é alto. Medicamentos de uso contínuo e exames caros são encargos pesados. A saúde pública deixa, muitas vezes, a desejar no atendimento ao paciente com câncer que, por sua vez, é obrigado a fazer valer seus direitos.

O paciente com câncer conta com uma proteção especial do Estado, diante da inesperada sobrecarga que adiciona a vida com custo emocional e financeiro em busca da cura. Para tanto, inúmeras são as leis e normas capazes de aferir direitos diferenciados aos portadores da doença.

Alguns documentos são indispensáveis para que os pacientes façam valer seus direitos como: laudos, exames, radiografias, tomografias, etc. Vale lembrar que segundo o disposto na Resolução 1.851/2008, editada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), caberá ao médico assistente, como profissional que acompanha o doente, elaborar relatórios e atestados de acordo com os parâmetros estabelecidos pelo referido órgão. Cumpre ressaltar que laudo médico não é atestado, e sim um relatório do quadro clinico e de sua possível evolução e também o relato de um fato médico e as suas consequências.

O médico perito, outra importante figura para o paciente de câncer reivindicar seus direitos, é o profissional incumbido por lei para avaliar a condição laborativa do examinado para fins de enquadramento na hipótese legal pertinente quanto aos benefícios previdenciários ou indenizatórios.

A Constituição Federal, em seu artigo 203, assegura o beneficio de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência ou ao idoso, independente de ser ou não contribuinte da seguridade social. Os pacientes com câncer podem se valer deste beneficio, para tanto é necessário o cumprimento de algumas exigências legais como: avaliação médica e social a ser realizada pelo INSS, não ter renda mensal familiar superior a ¼ do salário mínimo, além de não possuir outro beneficio previdenciário, exceto a assistência médica ou recebimento de pensão de natureza indenizatória (artigo 9º, III Decreto6.564/08).

Nos termos da Lei 8.213/91, o trabalhador segurado da Previdência Social que ficar incapacitado para atividade habitual por mais de15 dias poderá requerer o auxílio-doença, que equivale a 91% do salário de beneficio, sendo isento do Imposto de Renda. O beneficio é concedido a todos aqueles que possuem enfermidades que os inabilite ao trabalho, porém aos pacientes com câncer fica dispensado a carência, ou seja, o tempo de contribuição para tal requerimento.

Já nos casos em que o paciente for declarado incapaz de exercer as suas atividades laborativas e não estando sujeito à reabilitação, poderá requerer junto ao INSS a aposentadoria por invalidez. Neste caso, o paciente fica dispensado o período de carência. Importante destaca que poderá haver acréscimo de 25% no valor da aposentadoria se o segurado necessitar de assistência permanente de outra pessoa, mesmo que o valor da aposentadoria atinja o limite máximo legal. (artigo 45, parágrafo único da Lei 8.213/91).

Outro beneficio concedido aos portadores de câncer é a possibilidade de sacar os valores depositados referentes ao fgts (Fundo de Garantia Tempo de Serviço) a qualquer tempo, conforme a Lei 8.922/94. Estes saques poderão ser do valor total depositado ou mesmo das quantias depositadas mensalmente. O mesmo dispositivo legal, em seu artigo 20, possibilita ainda que os saques dos valores ocorram quando os dependentes do trabalhador estiverem acometidos de câncer, entendendo-se por dependentes. No caso do dependente ser o portador de câncer, os pais, por exemplo, poderão sacar simultaneamente cada qual seu FGTS como forma de ajudar a custear as despesas do filho acometido pela doença.

No caso do PIS (Programa de Integração Social), que se referem a depósitos realizados pelos empregadores aos empregados na Caixa Econômica Federal, também podem ser sacados pelos trabalhadores portadores de câncer. A solicitação deve ocorrer diretamente na Caixa Econômica Federal, onde o paciente deve apresentar a documentação a que se refere à Resolução 1 de15/10/96, editada pelo Conselho Diretor do Fundo de Participação PIS/PASEP.

O Governo Federal, por questões humanitárias, concede isenção do Imposto de Renda sobre alguns rendimentos como: os proventos de aposentadoria por doença grave como o câncer; os proventos dos pensionistas acometidos por câncer; o auxilio-doença. A referida isenção não alcança ganhos como: alugueis, honorários, rendimentos de aplicações financeiras, rendimentos do trabalho assalariado. O cidadão isento do IR nos casos mencionados deverá fazer a declaração de ajuste anual, declarando esses rendimentos como isentos e não tributáveis.

Para compra de veículo especial, ou seja, qualquer veículo que se difere do convencional modelo básico sem acessórios ou adaptações, o paciente de câncer que, em função da doença ou tratamento cirúrgico, tenha se tornado deficiente físico, fica isento do pagamento de IPI (Imposto Produtos IndustrializadoI) para aquisição de automóvel de passageiros de fabricação nacional. O mesmo se aplica ao ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias),também incidente sobre os veículos. Os pacientes com câncer que não possam conduzir veículos ainda que adaptados poderão utilizar-se deste beneficio de isenção para seus representantes legais, desde estes conduzam os pacientes no veículo isento dos impostos. Alguns governos estaduais, também por questões humanitárias, concedem o beneficio de isenção do Imposto sobre a IPVA (Propriedade de Veículos Automotores) aos pacientes portadores de deficiência física nos mesmos moldes da legislação federal.

Os portadores de câncer na cidade de São Paulo podem ainda cadastrar seus veículos ou das pessoas que os transportam para obterem a autorização para trafegarem no dia do rodízio. A medida visa facilitar a mobilidade dos pacientes que possuam veículos adaptados.

Por fim, a mais polemica das questões atinentes ao câncer é sem dúvida a utilização de medicamentos e tratamentos considerados experimentais e sua cobertura pelos planos de saúde. No caso de tratamentos ontológicos com aplicação de medicamentos que necessitem de ambiente hospitalar ainda que ambulatorial, deve o plano de saúde dar cobertura ao tratamento sem qualquer restrição independente de sua eficácia, face a impossibilidade de interferência no ato médico. O paciente tem o direito de se utilizar de todos os meios existentes na medicina para a cura de sua doença ou ainda para que tenha melhor qualidade de vida. Nem que para isso tenha que se socorrer no Poder Judiciário para fazer valer sua saúde e sua sobrevivência.

Sandra Franco é consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, membro efetivo da Comissão de Direito da Saúde e Responsabilidade Médico Hospitalar da OAB-SP e Presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde.

Nina Neubarth é advogada na Sfranco Consultoria Jurídica em Direito Médico e da Saúde, especialista em Direito Público.

Fonte: Última Instância